A Lei Maria da Penha completa hoje, 7 de agosto, 14 anos de existência. Ainda assim, ao longo deste dia, algo em torno de 530 denúncias de violência doméstica serão oficialmente registradas em todo o país – quase 200 mil casos por ano, uma média que não baixa nem reflete a realidade por inteiro (e pode até estar crescendo no isolamento social da pandemia). Estimativas do IBGE dão conta de que o número estaria mais perto de 1,3 milhão de mulheres agredidas dentro de casa a cada ano no Brasil. A diferença vem da subnotificação – por medo, vergonha, pressão psicológica e, principalmente, pela dependência financeira da mulher agredida, que precisa continuar calada para sobreviver.
Quando é citada, dentro e fora do Brasil, a Lei Maria da Penha é sempre lembrada como das mais avançadas do mundo. É, e a própria ONU reconhece. À frente dela estão apenas as leis aprovadas pela Espanha e pelo Chile, em que a preocupação maior e mais explícita com a prevenção da violência doméstica saiu do papel – na prática, mecanismos implantados (e funcionando) para evitar que os casos aconteçam. Na Espanha, por exemplo, a lei garante que o tema seja abordado com alunos do curso fundamental até a universidade, educando as futuras gerações para a igualdade de gênero e a solução de conflitos. Aqui, nossas escolas estão como estão.
Mesmo considerada uma referência global, a Lei Maria da Penha não tem sido suficiente para conter os dados vergonhosos da violência doméstica no Brasil. Entre as mulheres agredidas, 79% têm filhos e 40% dizem que sofrem violência em regime diário. Mais de metade das agressões são físicas e em 60% dos casos, presenciadas por esses filhos, num ciclo que se repete. Pelo menos 4 de cada 10 mulheres agredidas relatam que suas mães viveram a mesma situação.
No ano passado, outro estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério da Economia) usou uma metodologia inédita para relacionar casos de violência doméstica e a dependência financeira da mulher agredida. E mostrou, com muitos dados, algo que é possível intuir: quanto mais a mulher gera renda, menos violência doméstica sofre. Com dinheiro no bolso, ganha a chance de se libertar do agressor, saindo de casa ou se separando dele. Portanto, apoiar a geração de renda entre as mulheres teria, entre (muitos) outros, o efeito positivo e importantíssimo de reduzir a violência doméstica. Estamos devendo essa também.
Na contramão, o estudo mostra que a mulher rotineiramente agredida fica estigmatizada no ambiente de trabalho e se torna vítima também do desemprego ou de sub-empregos mal remunerados, aos quais se sujeita quando o mercado formal a expulsa. Em média, ela se afasta do trabalho 18 dias por ano só para se recuperar das lesões físicas e psicológicas. As contas que somam a perda de produtividade com os tratamentos médicos necessários variam de pesquisa para pesquisa, mas ficam na casa dos bilhões de reais.
Não estamos tratando, portanto, de algo restrito a quatro paredes de uma casa, ou da casa do vizinho como poderia parecer – mas de uma tragédia nacional, institucionalizada e que custa caro às empresas, ao governo e a todos os cidadãos desde sempre. A Lei Maria da Penha avançou enormemente em 2006, deixando para trás algumas brechas – e pelo tamanho do problema, não poderia ser diferente. Uma dessas brechas foi fechada em 2015, quando o feminicídio acabou sendo tipificado no Código Penal, com penas mais duras para assassinos de mulheres, e uma lei complementou a outra. Mas falta ainda olhar para o que dita a própria Lei Maria da Penha e encarar a prevenção como se deve – antes que, para muitas mulheres, continue sendo tarde demais.
Fonte: Veja