Estabelecer um feedback franco (e eficiente) sobre erros e acertos dos subordinados ainda é um desafio para muitos gestores. Veja como o RH pode ajudar nesse processo
Acontece pelo menos uma vez por ano. Chega a hora em que líder e liderado vão precisar bater um papo. Aquele recomendado (às vezes obrigado) pela área de recursos humanos. O momento do papo em si recebe diferentes nomes, dependendo da organização. Mas ele é bem compreendido numa única palavra: feedback. Fazê-lo, você de RH sabe, é fundamental para o alinhamento das competências e o desenvolvimento dos times. Fazer com que o gestor entenda isso, porém, é outra história. E aí o que é uma ferramenta poderosa pode se transformar em uma perigosa arma na organização.
Uma pesquisa da consultoria Hay Group com profissionais de 120 empresas revelou como os gestores patinam na hora de conversar com seus subordinados. Segundo o levantamento, apenas 47% dos funcionários acham que o superior imediato dá feedback claro e consistente. “Nós, do RH, sabemos que o feedback é uma ferramenta de desenvolvimento, mas, na hora de praticar, surgem as dificuldades, que são gerais e iguais em todas as áreas”, afirma Vera Saicali, diretora executiva de recursos humanos do banco HSBC, que aplica uma avaliação formal em seus 25 000 funcionários duas vezes por ano. “O RH, no entanto, precisa atuar como um modelo e implementar o processo com eficiência dentro de casa antes de exportá-lo para outras áreas.”
Entre os fantasmas que mais assombram o processo estão o bloqueio tupiniquim de falar com transparência sobre pontos que devem ser melhorados e a dificuldade de reunir exemplos do comportamento. Culpa, muitas vezes, dos próprios gestores, que não prestam atenção nas atitudes de seus colaboradores e, como consequência, não têm fatos para apresentar. “Se, num feedback, o funcionário pedir exemplos do que está sendo criticado e você não tiver, a conversa morre ali”, alerta Rolando Pelliccia, diretor do Hay Group.
Para minimizar atritos como esse e tornar o processo realmente rico, a área de recursos humanos deve passar algumas lições aos gestores. A primeira delas é estimulá-los a criar uma relação de confiança e transparência com suas equipes. “Feedback é um presente que você dá a uma pessoa para ela melhorar. No entanto, para que a pessoa queira receber esse retorno, é preciso que haja confiança entre vocês”, afirma Francisco Ramirez, sócio da ARC Executive Talent Recruiting. A segunda lição é fazer com que o gestor invista tempo (por mais que ele diga que seu tempo é escasso) num diálogo, para que o subordinado perceba que, por trás dessa conversa, há vontade de ajudar. A terceira é cobrar dos gestores que eles reúnam exemplos – bons e maus – de comportamento ou performance, para que possam apresentá-los no momento mais indicado. Pautar o
feedback em fatos, e não em opiniões, diminui o risco de o colaborador levar a crítica para o lado pessoal. “Se o brasileiro tem dificuldade tanto de dar quanto de receber feedback negativo, o desafio é fazer com que não pareça uma crítica pessoal, fundamentada apenas numa opinião”, afirma Ricardo Bevilacqua, diretor-geral da Robert Half, consultoria de recrutamento, com escritório em São Paulo.
Para checar se o seu time está agindo bem, os especialistas indicam um simples termômetro. Quanto mais tensão a frase “Vem aqui que vou te dar um feedback” causar, menor será a eficiência desse processo. “Na cabeça de muitos gestores, feedback é uma ferramenta para punir pessoas e simplesmente dizer o que elas não fazem bem, sem sugerir como elas poderiam melhorar”, explica Pelliccia, do Hay Group. Uma armadilha e tanto. “Cabe ao RH ser um multiplicador, fazer com que as outras áreas entendam o conceito de feedback e o utilizem da melhor forma”, diz Augusto Puliti, gerente da divisão de recursos humanos da Michael Page. “Quanto mais essa cultura for forte na organização, mais natural e eficiente será esse processo.”
Aprendendo com os erros
É preciso ter consciência de que discutir a relação não é fácil. Até os profissionais de RH teoricamente mais aptos a compreender esse momento) já derraparam. Vera, do HSBC, se lembra de diversas situações em que errou ao dar feedback. “No começo, apresentava minha conclusão de cara”, lembra. Depois de passar por relações delicadas com profissionais da equipe, ela começou a evitar julgamentos. “Hoje, antes da conclusão, passo pelo processo de discussão com o interlocutor. Aprendi que dar a oportunidade de ele discutir comigo e chegar a uma conclusão conjunta torna o feedback muito mais eficiente,” afirma.
Deborah de Toledo, diretora de relações humanas da Totvs, empresa brasileira de software de gestão com 9 000 funcionários, aprendeu a mesma lição há mais ou menos três anos. “Hoje, não digo o que a pessoa tem de fazer. Apenas mostro o que não está bom e pergunto o que ela poderia fazer para melhorar. Os gestores devem saber que essa é uma boa forma de envolver pessoas”, recomenda.
Há também quem descobriu que feedback está muito além de uma conversa formal. Paulo Amorim, diretor de recursos humanos da fabricante de computadores Dell Brasil, aprendeu que feedback é coisa para se fazer em cima do lance. “Adoro a linha do retorno imediato”, diz ele. Os 15 profissionais de sua equipe já sabem que, se durante uma reunião eles não tiverem um comportamento muito adequado, serão chamados logo em seguida para um bate-papo. “Muita gente posterga o momento do feedback e deixa o fato cair no esquecimento, o que é um erro. Precisamos de exemplos concretos do comportamento que queremos modificar ou reforçar num funcionário”, afirma ele.
Também contra o esquecimento, Amorim passou a registrar os feedback. Depois da conversa com o subordinado, ele tem por hábito enviar um e-mail relembrando o que foi discutido e acordado entre eles. “Eu recomendo esse cuidado aos gestores de modo geral. É preciso lembrar que nem você nem seus funcionários ficarão no mesmo cargo para sempre. O registro será válido quando for preciso resgatar uma determinada situação”, afirma. Pelliccia, do Hay Group, concorda com a ideia dos feedback instantâneos. “Não adianta uma vez por ano dizer a um profissional que ele chegou atrasado nas 12 reuniões de que participou. Ele vai perguntar por que você não disse isso na segunda reunião, quando ele ainda teria dez oportunidades de fazer diferente”, afirma Pelliccia.
A necessidade de dar feedback em tempo real, no entanto, não deve deixar a ansiedade atropelar outro ponto igualmente importante, o da preparação. É preciso pensar antes de chamar para a conversa. Foi o que aprendeu Veridiana Fernandes, diretora de recursos humanos do Renaissance São Paulo Hotel. No início de sua carreira, a ânsia por fazer tudo certo atrapalhava o processo. “Eu era muito afoita, tinha que falar com a pessoa na hora, mesmo sem me preparar para aquilo”, afirma. Hoje, com dez pessoas em sua equipe, ela aprendeu, antes de chamar uma delas para conversar, a pensar nos pontos que deseja focar, nos exemplos que vai apresentar e no melhor momento e local. “Esse preparo é essencial, mas não deve ser longo. O feedback tem que ser dado no momento em que o erro acontece ou, no máximo, 48 horas depois”, recomenda.
Controlar a ansiedade também ajuda o gestor a usar a sensibilidade para se colocar na pele do interlocutor e observar suas reações. “Um feedback tem que ser construtivo sempre, seja para elogiar, seja para criticar. A pior coisa que pode acontecer a um profissional é receber um feedback destrutivo, em que ele se sente humilhado”, alerta Puliti, da Michael Page.
Fórmula ideal
Segundo Rolando Pelliccia, do Hay Group, a fórmula mágica do feedback poderia ser resumida em uma sigla, FIM: fato (sobre o qual estou falando), impacto (desse fato no comportamento ou no resultado do profissional) e motivo (razão de negócios ou desenvolvimento que leva o gestor a dar esse feedback). “Se o gestor não tem resposta para esses três pontos, é melhor nem começar o diálogo”, afirma.
Por fim, vale a pena relembrar regras básicas do feedback eficiente. Primeiramente, evitar a linguagem subjetiva. É melhor substituir coisas do tipo “Eu tenho a impressão de que você está sempre atrasado” por algo como “Nas últimas três reuniões, você chegou atrasado e isso atrapalhou o andamento do projeto. Como poderíamos melhorar sua pontualidade?”. “Quando você não coloca um rótulo ou um adjetivo no profissional, tem mais chances de modificar o comportamento dele”, diz Pelliccia.
É importante também que o gestor seja tão factual para criticar quanto para elogiar. A falta de objetividade no feedback de mudança ou de reforço faz com que o profissional não entenda o que deve mudar ou manter em seu comportamento. “O mais importante é ter em mente que, embora o feedback seja especialmente difícil para brasileiros, que não querem ficar mal com ninguém, ele é uma situação profissional”, afirma Veridiana, do Renaissance. “Você dá todas as chances para a pessoa saber o que você pensa dela e reverter o quadro, se for o caso”, afirma.
Fonte: Revista VocêRH