Talentos ocultos

Pergunte aos liderados e eles provavelmente repetirão a mesma lamúria sobre suas equipes. Siga a linha lógica e provavelmente chegará à conclusão de que o grande mal das empresas, os grandes culpados pela gestão caótica, pela estagnação da produtividade e pela baixa competitividade, são os estagiários.
A má qualidade da gestão das organizações locais é notória. Dos órgãos públicos às empresas privadas, das estatais às organizações sociais, pouca coisa se salva. Os serviços são lentos e caros, os produtos, defasados e mal-acabados, os processos de trabalho, confusos. Os funcionários se estressam e os clientes se revoltam. A má qualidade dos quadros de gestão também é óbvia. Meio século de cursos de administração e uma década de expansão MBAs não parecem ter gerado efeito positivo.
Para cobrir as lacunas, as grandes empresas investem furiosamente em programas de trainees, procurando atrair a nata das melhores universidades para as suas fileiras. Entretanto, o tiro frequentemente sai pela culatra. Os jovens recrutas são espertos e ambiciosos, mas nem sempre estão dispostos a realizar trabalho duro ou são capazes de enfrentar chefes despreparados, colegas invejosos e a caótica burocracia interna.
Mas a suposta escassez de talentos pode não ser verdade tão absoluta como sugere o discurso dominante. Em texto publicado no jornal inglês Financial Times, Andrew Hill levanta uma hipótese instigante. O colunista lembra o caso de Eric Roberts, que ingressou em um banco inglês com 17 anos de idade e seguiu uma carreira apagada, na primeira metade do século XX.
Um documento recentemente divulgado revela o espanto de seu chefe, ao saber que seu funcionário havia sido requisitado pelo governo a apoiar o esforço de guerra. O tal chefe registrou que não via em seu subordinado qualquer qualidade digna de nota. Entretanto, Roberts já trabalhava para o serviço secreto britânico e era considerado um espião genial, tendo sido capaz de monitorar e neutralizar centenas de simpatizantes nazistas que operavam no Reino Unido.
O caso é pitoresco, não incomum. Pululam histórias de funcionários apagados, com “baixo potencial”, que deixam grandes empresas para se tornarem empreendedores bem-sucedidos. E não é difícil de entender por que isso ocorre. As grandes estruturas burocráticas, rígidas e hierarquizadas, que dominaram a paisagem corporativa durante o século XX e continuam presentes na administração pública ou em grandes empresas, reduzem os profissionais a pequenas engrenagens de uma grande máquina. O próprio sistema inibe a iniciativa e a criatividade.
Tais estruturas foram substituídas por arranjos mais fluidos e flexíveis. Entretanto, o novo ambiente de trabalho é frequentemente dominado por falastrões, reis do PowerPoint e animadores de reuniões. Profissionais quietos e discretos, capazes de realizar trabalhos substantivos, são condenados à periferia das decisões, sem receber a devida atenção ou reconhecimento por sua labuta.
Conforme observa Hill, muitas organizações têm dificuldade em identificar o potencial e a capacidade dos seus funcionários. Assim, a visibilidade frequentemente triunfa sobre a produtividade. Uma forma de reverter a equação perversa é reduzir a quantidade de reuniões e assim remover o palco que favorece os magos da gestão da impressão causada nos outros, e criar mecanismos para monitorar o trabalho que está sendo conduzido.
O trabalho real nas empresas acontece frequentemente sem conexão com a estrutura formal, usando as redes de relacionamento e confiança entre funcionários. Hill observa que realizadores e influenciadores raramente ocupam posições de destaque na estrutura formal. É preciso, portanto, estar atento às redes informais para identificar e valorizar quem realmente trabalha e gera resultados.
Fonte: Carta Capital