A supervisão de investidores ativos é positiva, não negativa.
Esta edição da Harvard Business Review inclui, como já ocorreu em várias edições anteriores, um artigo descrevendo os perigos do curto-prazismo e apoiando medidas para proteger os líderes corporativos de pressões externas que aparentemente os deixam míopes. Mas esses argumentos são longos em retórica alarmista e curtos em evidências empíricas ou lógica econômica. Além disso, seus apoiadores subestimam os benefícios significativos produzidos pela supervisão de um investidor externo, mas passíveis de ser sacrificados por tais medidas.
Os leitores da HBR foram alertados sobre os perigos de curto-prazismo há pelo menos quatro décadas. No artigo “Managing our way to economic decline”, publicado em 1980, Robert Hayes e William Abernathy defendiam que o foco de gestores corporativos no curto-prazismo foi o culpado pela “forte deterioração do vigor competitivo”. Da mesma forma, no artigo “Capital disadvantage: America’s failing capital investment system”, de 1992, Michael Porter alegava que o curto-prazismo estava reduzindo os investimentos em projetos de P&D de longo prazo e, por causa dele, “a posição competitiva de importantes indústrias dos EUA havia decaído em relação a outros países, principalmente Japão e Alemanha”.
Embora o curto-prazismo não tenha produzido a deterioração e a queda previstas durante as décadas seguintes, as manifestações para proteger líderes corporativos de pressões que poderiam induzir ao curto-prazismo persistiram, e até se intensificaram. De fato, durante muito tempo esses argumentos foram utilizados para apoiar medidas — como defesa da tomada de controle, conselhos titubeantes, estruturas com dupla classe de ações e dupla classe de recapitalizações — que limitam o poder dos acionistas e blindam os líderes corporativos.
Infelizmente, o apelo superficial desses argumentos venceu sobre muitos investidores institucionais e agentes públicos. É importante que eles e outros aprendam a reconhecer as falhas nas alegações do curto-prazismo.

O MERCADO SUBESTIMA OS PROJETOS DE LONGO PRAZO?
A grande premissa das pessoas preocupadas com o curto-prazismo é que sistematicamente os mercados subestimam os investimentos de longo-prazo que, consequentemente, não são completamente refletidos no valor das ações. Embora, às vezes, os mercados cometam erros, as pessoas que expressaram essa preocupação até agora não forneceram evidências empíricas sólidas suficientes para justificar seu alarmismo.
De fato, nas duas últimas décadas, embora sérios alertas relacionados ao curto-prazismo tenham proliferado, as empresas de crescimento — cujo valor reflete claramente as expectativas sobre suas compensações no longo prazo — se beneficiaram com um aumento substancial de seu valor de mercado. No fim do terceiro trimestre de 2020, as empresas de tecnologia com mais peso no índice Nasdaq 100 foram responsáveis por mais de um quarto da capitalização total dos mercados de ações dos EUA e operaram com altos índices preço/lucro, refletindo a disposição dos mercados de agregar grande valor às empresas com base em suas perspectivas futuras, e não nos lucros atuais.
Se os investidores subestimassem sistematicamente as perspectivas de longo prazo, as empresas de crescimento tenderiam a operar em níveis de desconto, permitindo que seus investidores obtivessem altos retornos no longo prazo. Mas evidências empíricas indicam que as ações de crescimento, na verdade, tendem a oferecer lucros menores no longo prazo — mas, paradoxalmente, tendem a ser comercializadas em níveis mais elevados — em comparação com ações cujas avaliações se baseiam na lucratividade.
A Amazon e a Netflix são um exemplo claro de que, quando adequado, os investidores aceitam com muita paciência uma estratégia corporativa de investimento de longo prazo em detrimento de pouco ou nenhum lucro no momento.Na última década, os valores das ações dessas empresas sofreram valorização acentuada, subindo mais de 20 vezes e 10 vezes, respectivamente; mesmo assim, suas estratégias orientadas para o crescimento resultaram em lucros relativamente baixos ao longo do percurso.
Obviamente, alguns líderes corporativos podem considerar que o mercado não valoriza adequadamente as perspectivas de longo prazo de suas empresas e, consequentemente, subprecifica suas ações. Mas essas reações podem simplesmente refletir a tendência desses líderes de super-valorizar ou proteger seu próprio desempenho. Mesmo que o preço do mercado de ações desaponte os líderes da empresa, isso, na verdade, pode refletir exatamente suas perspectivas de longo prazo.
O ATIVISMO DE FUNDOS MULTIMERCADOS É PREJUDICIAL?
Para as pessoas preocupadas com o curto-prazismo, o ativismo de fundos multimercados é uma ameaça. Consequentemente, elas defendem medidas para impedi-lo e pressionam os outros investidores a não apoiar os ativistas. Mas essa visão reflete uma avaliação incorreta dos efeitos do ativismo.
Os que se opõem aos fundos multi-mercados ativistas argumentam que eles lucram pressionando as empresas a realizar melhorias de curto prazo, que são realizadas às custas das perspectivas do longo prazo e fazem o preço das ações despencarem. Em um debate que mantive em 2012, no Conference Board, com Marty Lipton, conhecido advogado corporativo que inventou a defesa da tomada de controle “poison pill”, ele me desafiou a investigar empiricamente sua preocupação com o que acontece com os alvos do ativismo nos anos subsequentes à intervenção dos ativistas. Em um estudo empírico posterior, Alon Bray, Wei Jing e eu resolvemos esse desafio. Examinamos as consequências durante cinco anos após essas intervenções e não descobrimos nenhuma evidência que respaldasse a preocupação de Lipton. Embora o início de uma intervenção ativista geralmente seja acompanhado por um pico no valor das ações, esse pico não foi revertido nos cinco anos seguintes.
Os que defendem a blindagem de gestores defendem também que a sombra da intervenção de fundos multimercados tem um grande efeito adverso na operação de todas as empresas, e não apenas daquelas com as quais os ativistas se envolvem. Argumenta-se que o desejo de reduzir as probabilidades desse envolvimento fornece aos líderes corporativos um incentivo para reforçar o valor das ações no curto prazo, investindo significativamente menos em projetos de longo prazo. A validade dessa visão, no entanto, depende da premissa questionável de que os preços de mercado geralmente compensam a redução de investimento em projetos de longo prazo.
Além disso, essa visão ignora um efeito benéfico importante que se esperaria que a perspectiva do ativismo dos fundos multimercados tivesse no desempenho de líderes corporativos que procuram evitá-lo. Seria esperado que a ameaça dessa intervenção desencorajasse a negligência e a fraca performance da gestão, desempenhando, assim, um papel disciplinar importante, e incentivando os líderes a aumentar o valor para o acionista. Este mecanismo é particularmente importante, considerando os substanciais obstáculos permitidos pelas leis americanas que tomadores de controle hostis enfrentam. Se os ativistas de fundos multimercados também fossem impedidos, se esperaria que a negligência e o fraco desempenho da gestão aumentassem em detrimento dos investidores e da economia.
INVESTIDORES DE LONGO E CURTO PRAZO: ADVERSÁRIOS OU ALIADOS?
Aqueles que querem proteger os líderes corporativos das pressões do mercado, muitas vezes, fazem uma distinção entre investidores de longo prazo (“bom”), e investidores de curto prazo (“ruim”), e para eles todos os ativistas de fundos multimercados, mesmo os que mantêm sua posição por um período substancial, são como o último, ou seja, “ruim”. Eles pressionam os investidores de longo prazo a considerar a influência dos investidores de curto prazo prejudiciais a eles, e a apoiar a blindagem dos gestores contra eles. De acordo com essa visão, de modo geral, os investidores de longo prazo deveriam emprestar seu apoio à gestão e evitar cooperar com fundos multimercados ativistas para permitir que os gestores focassem no valor de longo prazo sem desvio de atenção.
No entanto, como Doron Levit e eu mostramos em uma análise recente sobre os interesses de investidores de longo e curto prazo, essa visão mostra falhas significativas. Por exemplo, nem os investidores que planejam manter suas ações de uma empresa por um período muito longo (em fundos de índice, por exemplo) deveriam estar muito interessados nos resultados de curto prazo. Procurar valor de longo prazo não significa se recostar na poltrona e esperar que gestores o acabem entregando. Os investidores de longo prazo deveriam estar muito interessados nos resultados provisórios, que possam sinalizar necessidade de mudanças na gestão ou governança e incentivar a gestão a focar nos interesses dos acionistas.
Além disso, os investidores de longo prazo, muitas vezes, se beneficiam com o trabalho de fundos multimercados ativistas que, geralmente, não conseguem efetuar mudanças a menos que outros investidores estejam dispostos a apoiar suas propostas. Era de esperar que outros investidores fornecessem esse apoio somente se acreditassem que eles também se beneficiariam com as mudanças propostas. Além disso, se a perspectiva da intervenção de um ativista desencoraja a negligência e o baixo desempenho da gestão, todos os investidores da empresa são recompensados.

Certamente os oponentes do ativismo de fundos multimercados defendem que os interesses dos ativistas divirjam dos interesses dos investidores de longo prazo, porque os primeiros caem fora antes que os efeitos adversos de suas intervenções reflitam no valor das ações. No entanto, essa alegação não é confirmada pelos dados. Meu estudo com Bray e Jiang mostrou que, nos anos seguintes à saída de um ativista de fundos multimercados de um alvo, não havia evidência de retornos negativos anormais que refletissem inversão de preço.
CURTO-PRAZISMO CONDUZIDO INTERNAMENTE
Embora atualmente não haja fundamento para considerar os problemas de curtoprazismo suficientemente graves para justificar a blindagem dos gestores, ainda há espaço significativo para melhorias de governança nas empresas de capital aberto em geral, e em particular nas tomadas de decisão de projetos de longo prazo. Uma medida benéfica seria estreitar o alinhamento entre a remuneração de executivos e os resultados de longo prazo.
A preocupação dos líderes corporativos com os lucros trimestrais e em atingir as expectativas dos analistas parece exagerada. Mas essa preocupação se deve mais às escolhas internas dos próprios líderes que às pressões externas. Principalmente, os ajustes de remuneração que os próprios diretores e executivos estabelecem estimulam os gestores a atribuir mais peso aos resultados de curto prazo e aos efeitos do valor das ações.
Os sistemas padrão de remuneração há muito tempo incluem bônus substanciais que premiam melhorias de curto prazo, mesmo que sejam de curta duração. Esses sistemas normalmente também concedem aos executivos ampla liberdade para descarregar incentivos de ações e assim se beneficiar com os picos de curto prazo no valor das ações.
Eliminar os incentivos de curto prazo e limitar substancialmente a liberdade dos líderes corporativos de descarregar as ações, como Jesse Fried e eu defendemos em nosso livro Pay without performance: the unfulfilled promise of executive compensation, aumentaria significativamente a atenção dos líderes corporativos para o valor de longo prazo. Como demonstramos no livro e em nosso trabalho subsequente, os sistemas que fornecem incentivos de curto prazo perduram, principalmente porque atendem aos interesses particulares dos executivos, e não por causa da pressão externa de investidores e mercados.
Ao contrário das medidas que protegem os líderes corporativos da supervisão e intervenção dos investidores, a reformulação do sistema de remuneração dos executivos poderia diminuir o curto-prazismo sem impor os grandes custos decorrentes da negligência e do baixo desempenho. Por isso, aqueles que se preocupam com o curto-prazismo devem focar em reformular os sistemas de remuneração antes de pensar em adotar medidas para proteger os gestores e incorrer nesses custos.
A INSENSATEZ DO RETROCESSO
A blindagem defende essencialmente que reverter o efeito do desenvolvimento dos mercados de capital nas últimas décadas foi extremamente benéfico. Como documentaram Adolf Berle e Gardiner Means em The modern corporation and private property, a posse de ações de grandes empresas nos EUA costumava ser dispersa, e faltava aos acionistas os incentivos e a capacidade de monitorar o desempenho e a intervenção. Os gestores eram praticamente incontroláveis e não estavam sujeitos à supervisão dos investidores. Certamente não sofriam pressões para produzir resultados de curto prazo, mas tampouco sofriam pressão para produzir resultados de longo prazo.
A ascensão de investidores institucionais levou à concentração na posse de ações. Como Alma Cohen, Scott Hirst e eu documentamos em um estudo de 2017 sobre investidores institucionais, os 50 maiores desses investidores normalmente eram responsáveis por uma maioria expressiva de votos nas reuniões com os acionistas. Essa concentração da posse de ações introduziu a possibilidade de supervisão significativa do investidor. Apesar de essa supervisão ter alguns efeitos adversos, em geral ela é um mecanismo extremamente benéfico que atende aos interesses dos investidores e da economia. Medidas para enfraquecê-la nos colocam na direção errada.
Os alertas sobre os perigos do curto-prazismo são repetidamente utilizados para proteger os gestores das pressões e supervisão externas. Mas esses alertas não são apoiados por nenhuma evidência da gravidade dos supostos efeitos do curto-prazismo, e eles ignoram benefícios importantes que a supervisão do mercado e do investidor pode trazer. O monstro do curto-prazismo não deve nos amedrontar a ponto de apoiarmos medidas que blindem os gestores. Adotar ou manter essas medidas seria prejudicial aos investidores americanos e à economia dos EUA.
LUCIAN A. BEBCHUK é professor de direito, economia e finanças na Harvard Law School e diretor-fundador do Programa de Governança Corporativa da mesma faculdade. Ele é autor de “The myth that insulating boards serves long-term value” (Columbia Law Review, 2013), e coautor de “The long-term effects of hedge fund activism” (Columbia Law Review, 2015) e de “Should short-term shareholders have less rights?” (2019).
Fonte: Harvard Business Review