Como aplicar a neurociência nos negócios

Como aplicar a neurociência nos negócios – A professora Carla Tieppo explica como esse campo da medicina está relacionado a gestão, inovação e cultura

A neurociência é um assunto que atrai o interesse de muita gente. São vários os livros, textos e palestras que buscam demonstrar como aplicar tais conhecimentos na sua vida e no trabalho. Mas a realidade é que são poucas as empresas que usam as técnicas aprovadas por esse campo da medicina no dia a dia do negócio. Pensando nisso que Carla Tieppo, professora doutora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, criou um curso de especialização em neurociência aplicada aos negócios.

Ela explica que os conhecimentos adquiridos com novas tecnologias pode ser usado nas empresas para melhorar o ambiente de trabalho, para trabalhar liderança, gestão, cultura e até inovação. “O pilar essencial do estudo da neurociência é a ampliação do autoconhecimento.

Fala-se muito em autoconhecimento, mas as ferramentas usadas para isso são pautadas muito dentro das ciências humanas – filosofia, sociologia, antropologia – e é como se essas disciplinas já estivessem quase que exauridas nessa discussão”.

Tecnologias avançadas permitiram um estudo mais avançado sobre o cérebro e sobre as emoções humanas – sim, a neurociência não lida apenas com o raciocínio lógico e cognição. “Não é que a neurociência está inventando a roda, nós realmente temos novas contribuições a fazer, com o conhecimento novo que a gente tem conseguido a partir de tecnologia”.

De que forma a neurociência está sendo utilizada hoje nas empresas? Quais áreas mais podem ser beneficiadas por esses novos conhecimentos?

Há ainda alguma resistência, o que está ainda muito relacionada ao desconhecido. Por ser uma questão que envolve a medicina, algumas pessoas pensam em doença. Outras imediatamente relacionam com pensamento, raciocínio, mas quase ninguém pensa em competências sócio emocionais, em cultura. Mas o cérebro está profundamente conectado com todas essas coisas. Para que a gente realmente possa tornar a neurociência uma ferramenta útil, é preciso primeiro quebrar esses preconceitos.

Há alguma área específica em que há menos resistência?

Especialmente na gestão de pessoas e no marketing de uma forma geral. Esses são dois campos em que as empresas já compreenderam que podem se beneficiar, e é onde a neurociência está sendo usada de forma mais abrangente.

Na gestão de pessoas, quais são os maiores erros que hoje os departamentos de recursos humanos costumam cometer e que podem melhorar com conhecimentos em neurociência?

A primeira questão fundamental é o recrutamento e seleção. Nós usamos paradigmas para recrutamento que estão muito pautados em tipos psicológicos, que consideram a forma com que a pessoa funciona e que faz com que ela seja mais ou menos adaptada a uma necessidade da empresa. Mas a neurociência pode contribuir para compreender as potências do indivíduo. Podemos discutir os aspectos do comportamento que provocam boicotes, que fazem com que a pessoa não consiga avançar. Quando a gente estuda a neurociência, o pilar é justamente a potência de mudar.

Como a neurociência pode ajudar essa pessoa a melhorar essa capacidade de mudar?

Alterando os processos de mudança. Normalmente as mudanças são propostas a partir da racionalização de processos. Digamos que você procrastina e fica sempre enrolada com datas e prazos. Aí vem alguém e diz “você precisa mudar, imagina no futuro você entregando todas as coisas no prazo, você não ia se sentir bem? Então tente usar uma agenda, uma to do list…” Só que mesmo assim você não consegue mudar. E por quê? Porque a estratégia foi te fazer pensar sobre a mudança, quando a maior parte dos seus comportamentos são influenciados pelo emocional. Você dá um valor à procrastinação, e esse valor precisa ser desvendado para que você possa mudar. É preciso desmontar a emocionalidade que você tem sobre aquilo, e não a racionalidade.

Você diz também que o erro é a principal ferramenta de mudança. Como?

Em geral, as pessoas escondem o erro debaixo do tapete. O próprio gestor, a própria equipe criam essa tendência de que os erros sejam escondidos. Mas à medida que você consegue detectar os seus passos que foram equivocados e perceber exatamente em que momento o erro aconteceu, o que se passou no ambiente e que me fez cometer esse erro, eu me preparo para uma próxima situação igual a essa e aumento a chance de não cometer o mesmo erro.

Você falou que muitas vezes o próprio gestor contribui para esconder o erro. Você acha que as empresas estão começando a mudar isso? Por exemplo, o discurso de muitas startups é que é preciso “errar logo, errar rápido”.

Depende da cultura da empresa. Eu gosto desse pensamento de startups de “não tem problema em errar, mas eu tenho que errar rápido”. Isso cria um esquema de trabalho, de inovação, em que o erro é uma possibilidade, mas eu coloco uma ideia de que tenho que errar rápido. Isso aumenta a criatividade e aumenta a inovação. Agora, em grandes empresas, é mais difícil admitir o erro por uma razão muito simples: é no erro que está pautada a sua avaliação de desempenho.

Você tocou em um ponto sensível. A forma como a avaliação de desempenho é feita hoje nas empresas está correta? Surte algum efeito positivo?

A avaliação de desempenho é necessária, mas os parâmetros, que costumam ser extremamente objetivos, precisam ser repensados. Não são números que vão nos contar sobre o desempenho de uma pessoa. Um indivíduo pode estar altamente engajado e debruçado sobre uma grande ideia, mas que vai demorar para dar resultado. Se os processos de avaliação são objetivos e desconsideram a subjetividade, você não é capaz de perceber quais indivíduos estão engajados e se dedicando a tarefas que trarão resultados no médio e longo prazo. A avaliação de desempenho não é uma coisa ruim, mas é preciso rever os parâmetros, e quanto maior a subjetividade, melhor, por incrível que pareça.

Imagino que seja difícil dentro de uma grande empresa analisar desempenho com parâmetros subjetivos…

É bem complicado, mas por isso que a gente deveria creditar aos líderes a potência de fazer isso, e não centralizar no RH. Outra coisa que pode ajudar é fazer as avaliações em triênios, para que o indivíduo possa investir em projetos cujos resultados virão no médio e longo prazo.

Considerando a alta rotatividade nas empresas, seria possível uma avaliação de longo prazo?

A gente tem que atacar a rotatividade. Isso mostra uma fragilidade das empresas de manterem um nível de engajamento e de compromisso dos funcionários com o DNA e com a história da companhia. Mas até hoje eu escuto gestores falando que a única motivação que funciona é dinheiro. Depois que a gente já provou por A mais B que não é assim que funciona. Então, veja, o cara diz: “Eu até ouvi essa história de que a psicologia e a neurociência estão dizendo que a motivação do indivíduo é intrínseca, mas o que eu vejo funcionar mesmo é salário, bônus, comissão”. Porque ele só sabe lidar com essa moeda. Só que ele não sabe que isso está diretamente relacionado com alto turn over, com falta de engajamento, competitividade, com falta de trabalho de equipe, com falta de inovação.

É possível mudar a cultura de uma empresa? E como fazer isso?

Do mesmo jeito que é possível mudar uma pessoa. O processo é relativamente semelhante. A diferença é que ele é mais complexo – porque quando você quer mudar uma pessoa, precisa dar conta de “apenas” 86 bilhões de neurônios desta pessoa. Quando você muda uma empresa, precisa dar conta do somatório de neurônios dessa empresa e de suas relações complexas. Mas uma mudança de cultura pode ser implementada estrategicamente. O problema é que geralmente a gente vê uma imposição de cultura. Só que cultura é o tipo da coisa que não pode ser imposta. Cultura é uma manifestação intrínseca de um indivíduo ou de um grupo social. Qualquer imposição de cultura não será mais do que um conjunto de regras, pode estar tudo escrito no site, mas isso não é cultura da empresa. Por exemplo, a empresa diz que apoia o meio ambiente, mas os funcionários têm o hábito de deixar a luz acesa no banheiro. Essa cultura precisa emergir.

Fonte: Época Negócios

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